quarta-feira, 4 de dezembro de 2013


SOMOS INDÍGENAS, SIM! E BRASILEIROS TAMBÉM!

Apresentação

Em 9 de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.639, instituindo a obrigatoriedade do ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira" no currículo oficial da Rede de Ensino. Cinco anos depois, em março de 2008, foi também aprovada a Lei nº 11.645, que modificou a lei de 2003 para incluir a temática indígena, passando então a ser obrigatório o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Indiscutivelmente, a instituição de ambos os conteúdos causou impactos na realidade escolar. Apesar disso, sentimos que há ainda um grande caminho a ser percorrido no ensino dessas temáticas.
Em muitos casos, o professor, que já não teve acesso a esses conteúdos em sua formação acadêmica, tem dificuldades de abordar o tema em sala de aula, por encará-los como “mais” um conteúdo dentro dos diversos outros que devem ser ensinados e avaliados, seja por não saber como introduzir o tema dentro do já enorme plano curricular voltado para a aprovação nos vestibulares.
Este material didático foi pensando, então, para auxiliar o professor a trilhar o percurso coletivo e dialogado de ensino e aprendizagem da História e Cultura Indígena. Para tanto, lançamos mão de um breve questionário em que avaliaremos os conhecimentos prévios.


Questões problematizadoras

Responda brevemente as questões iniciais propostas utilizando seus conhecimentos prévios (adquiridos pela televisão, revistas, jornais, ou aulas, discussões anteriores, entre outros) a respeito dos grupos indígenas existentes no Brasil.
Qual o seu conhecimento a respeito da diversidade indígena no Brasil? Quantos grupos indígenas você acha que existem atualmente vivendo dentro do território brasileiro? Quantos troncos linguísticos diversos existem dentro do Brasil? Indígenas possuem culturas parecidas, ou existem as mais diferentes culturas entre esses diversos grupos? Um indígena que usa roupas e frequenta universidade, ou mora em cidades, é mais ou menos indígena por isso? O indígena brasileiro faz parte do nosso passado? Como ele se insere na sociedade hoje?
O estereótipo do indígena como um indivíduo pertencente ao passado, que não se faz presente dentro do contexto da sociedade atual, é algo ainda bastante ativo, que vem sendo perpetuado há décadas. O senso comum costuma isola- los, toma- los por figuras anacronicamente construídas, mantendo no imaginário coletivo a percepção do “legítimo indígena” enquanto um ser humano fora do tempo e do espaço, que vive ainda numa estrutura social anterior a chegada dos europeus nas Américas e intocado por todas as revoluções tecnológicas.
 Não há como fazer com que as comunidades indígenas continuem existindo sem o contato e a interação social com a sociedade. A população brasileira é composta por indígenas. Eles não estão isolados. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, mais de 324 mil indígenas viviam em áreas urbanas e ao se ter ideia da grande quantidade desses indivíduos inseridos dentro do espaço urbano das nossas cidades, não é difícil agora imaginá-los como naturais componentes da nossa população e do território nacional.
Nas áreas urbanas os indígenas exercem diversos tipos de profissões, algumas bastante comuns, contudo muitos ainda ficam surpresos ao vê-los agindo cotidianamente nessas funções. Abaixo temos alguns exemplos de indígenas exercendo profissões que geralmente não são imaginadas como atividades dos mesmos. O que essas imagens te dizem sobre os indígenas na atualidade? Qual era a sua visão sobre o indígena brasileiro?



(1) Edvaldo de Jesus Santos Pataxó, índio da etnia Pataxó Hã Hã Hãe, formado em medicina na Escola Latinoamericana de Medicina em Cuba. Foi diretor do Distrito Sanitário Especial Indígena de Salvador.






(2) Mário Juruna. Primeiro deputado federal indígena do país. Viiveu até os 17 anos isolado do mundo exterior. Foi eleito cacique da aldeia de Namunjá, em Barra do Garça, Mato Grosso do Sul





(3) Professor indígena dando aula em uma escola construída em uma aldeia.

Fazem parte do senso comum algumas afirmações que fogem da real situação vivida pelos diversos grupos indígenas que habitam o território brasileiro. Todos já ouviram frases como “índio é tudo igual”, ou “índio de roupa e celular não é índio”. Vemos no cotidiano esse tipo de pensamento, porém as pessoas que reproduzem essas ideias pouco conhecem a realidade dos indígenas brasileiros, e ignoram a imensa diversidade cultural existente nos mais de 200 diferentes povos indígenas que vivem hoje no Brasil.
            Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio) existem 220 grupos indígenas no Brasil, sendo que 80 ainda não foram contatados e não existem informações mais objetivas sobre eles. Dos grupos que estão em contato com o Estado brasileiro, existem pelo menos 180 línguas diferentes, que estão conectadas por 30 famílias linguísticas. Outras fontes falam ainda em 45 diferentes troncos linguísticos, como pode ser visto no mapa abaixo.




Proposta de atividade em grupo.

Leia o texto abaixo, e ao correlacionarem- no com o mapa acima, respondam às questões em seguida debatendo-as e entreguem na forma de um texto discursivo.

O mapa nos mostra, além da enorme diversidade linguística indígena dentro do território brasileiro, algumas outras informações interessantes. A primeira delas é a influência de troncos linguísticos ligados à língua quechua, língua dos incaíca que é falada até hoje em boa parte do território peruano, em regiões mais próximas aos Andes, como no Acre e em Rondônia.
É também notório que a presença indígena no território brasileiro se dá, na sua maior parte, no interior do país. Esse fato é explicado por um processo histórico de empurrada dos povos indígenas para o interior, que aconteceu de maneira concomitante com a colonização portuguesa no litoral brasileiro, ocasionando a extinção de alguns grupos nativos e a assimilação de aspectos culturais europeus nas culturas indígenas.
            Essa assimilação de características culturais europeias e africanas feitas pelos grupos indígenas, não pode ser vista como uma descaracterização da cultura indígena. Sabemos que todas as culturas estão em constante processo de modificação, e as diversas culturas indígenas existentes na América estavam em constante troca de informações – como vimos acima com as influências da língua incaica – e se modificando o tempo todo. As culturas indígenas se modificariam com o tempo, independente da presença europeia no continente.
Assim também ocorre com a nossa cultura, com a cultura europeia, pois as culturas são plásticas, desta maneira crer que a cultura indígena deveria ter se mantido estática configura um verdadeiro impropério. Não existiram portugueses e a cultura portuguesa desde sempre. O que conhecemos hoje por portugueses foi um longo processo de miscigenação de diferentes culturas, que tem origem em alguns grupos bárbaros, possuindo até uma boa parcela de cultura celta, e essa cultura portuguesa está em constante mudança até os dias atuais.
            É importante notar que o movimento contrário também ocorreu, a cultura europeia absorveu alguns elementos das culturas indígenas americanas. Os casos mais notáveis são o da batata (que saciou crises de fome na Europa e virou prato típico em países como a Bélgica e a Inglaterra) e do cacau (que hoje é consumido em enormes quantidades em toda a Europa na forma de chocolate). Ao longo do tempo, os próprios europeus que moravam nas Américas passaram a incorporar alguns hábitos dos índios, como tomar banho com mais frequência, por exemplo.
Dessa forma, devemos observar com naturalidade as mudanças e as assimilações das culturas indígenas com outras culturas. Um indígena pode, perfeitamente, morar em uma cidade, estudar em escolas e ter um emprego, assim como possuir equipamentos tecnológicos, sem deixar de ser indígena, ou ser menos ou mais indígena. Existem alguns “novos grupos indígenas” no Brasil, que surgiram a partir da fusão de aspectos culturais vindos de diversas culturas indígenas e não-indígenas, e não podemos menosprezar suas características.
Após olhar mais de perto a realidade cultural dos povos indígenas brasileiros, é inconcebível aceitar a ideia de considerar os indígenas como um bloco homogêneo. Se compararmos esses grupos, eles possuem línguas diversas, rituais, artes e vestimentas diferentes, até mesmo suas religiões e crenças diferem de grupo para grupo. Devemos ter em mente que a ideia de a cultura, seja ela qual for, está sempre em mudança.


Questões propostas:

1-      Tendo por base o texto anterior e o mapa, explique, utilizando exemplos sempre que possível, a ideia de constante mudança que envolve a consolidação de uma cultura.
2-       Aponte as diferenças da opinião do senso comum a respeito dos indígenas brasileiros com os argumentos apresentados pelo texto.
3-      Após a leitura do texto, o que você modificaria nas respostas das perguntas propostas no início desse material?
4-      Utilizando o mapa, demonstre como esse recurso pode nos ajudar a entender a localização geográfica atual dos territórios indígenas e aponte alguns problemas que a “empurrada” dos grupos indígenas para o interior pode ter influenciado em suas culturas e nas questões pela briga de terra.

Desafios

Direito à terra

Leia o trecho abaixo, sobre o que a terra significa para os indígenas.

“Para os povos indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural - e tão importante quanto este - é um recurso sócio- cultural” (Funai apud RAMOS, Alcida Rita - Sociedades Indígenas).
A nação indígena enfrenta muitos desafios, sendo um deles a proteção de seu direito à terra. Lendo o trecho acima, aprendemos que a terra para eles também é um recurso representativo de fatores culturais e sociais. Mas você sabe de que forma o direito à terra é garantido? Em sua opinião, você acha que ele é realmente garantido? Leia o capítulo da nossa Constituição dedicado aos índios e a notícia do Jornal Folha de São Paulo, e analise a questão da terra.


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

CAPÍTULO VIII
DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

04/06/2013 - 13h47

Índios desocupam canteiro de Belo Monte após nove dias



KÁTIA BRASIL
DE MANAUS

Os índios da etnia mundurucu desocuparam na manhã desta terça-feira (4) o canteiro da usina hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu, no sudeste do Pará, após nove dias de invasão.
No início desta tarde, os índios estão sendo transportados para Brasília, onde terão uma reunião com ministros do governo de Dilma Rousseff, às 14h. A Secretaria-Geral da Presidência da República disse, em nota, que a reunião faz parte de um acordo que levou à desobstrução pacífica do canteiro de obras de Belo Monte. Os índios ocupavam o local desde o dia 27 de maio.
Cândido Munduruku, um dos líderes do protesto, disse que o grupo de 187 índios (dos quais 32 são mulheres e 27 crianças) embarcou em dois aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). O governo não confirmou o número de pessoas.
Os índios reivindicam a suspensão de obras e estudos de barragens de hidrelétricas em terras indígenas situadas nas margens dos rios Teles Pires e Tapajós e cobram do governo a garantia de serem consultados previamente sobre o tema.
O cacique da tribo mundurucu, Jairo Saw, disse que o objetivo da reunião não é negociar com o governo. "Vamos apresentar nossa posição sobre construir hidrelétricas em nossos territórios e exigir que o governo respeite a Constituição e os tratados internacionais que ele assinou e que garantem nosso direito de sermos consultados", afirmou.
A Secretaria-Geral da Presidência informou que será discutida a pauta de 33 reivindicações apresentadas em janeiro pela Assembleia Indígena Munduruku. "A expectativa é que a reunião seja o início de um processo de diálogo e entendimento que assegure aos indígenas seus direitos legais e o acesso a políticas públicas voltadas à sua autonomia e sustentabilidade", disse o governo, em nota.


Ruy Sposati - 29.mai.13/Divulgação






Índios durante ocupação do principal canteiro da construção da usina de Belo Monte, no Pará.



Atividade online!Utilize os comentários do blog para trocar ideias e experiências sobre a realidade dos diferentes grupos indígenas no Brasil. Quais são suas opiniões a respeito do lugar do indígena na sociedade brasileira? O que temos que fazer para melhorar essa situação? A troca de opiniões é fundamental para a construção do conhecimento desse material didático e para a valorização dos debates a respeito da diversidade cultural indígena na nossa sociedade.


Para saber mais

Aqui disponibilizamos links de sites que podem ser úteis para aprofundar os temas que vimos e pesquisar mais sobre a história e as culturas indígenas.

http://www.museudoindio.org.br

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 nov. 2013.

BRASIL, Kátia. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 4 jun. 2013. Índios desocupam canteiro de Belo Monte após nove dias. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/06/1289545-indios-desocupam-canteiro-de-belo-monte-apos-nove-dias.shtml. Acesso em: 22 nov. 2013.

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 23 nov. 2013.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 23 nov. 2013.

FUNAI. As terras indígenas - O que é Terra Indígena? Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.html. Acesso em: 22 nov. 2013.



Fontes das imagens: