SOMOS INDÍGENAS, SIM! E BRASILEIROS
TAMBÉM!
Apresentação
Em
9 de janeiro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.639, instituindo a
obrigatoriedade do ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira" no
currículo oficial da Rede de Ensino. Cinco anos depois, em março de 2008, foi também
aprovada a Lei nº 11.645, que modificou a lei de 2003 para incluir a temática indígena,
passando então a ser obrigatório o ensino de “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Indiscutivelmente, a instituição de ambos os
conteúdos causou impactos na realidade escolar. Apesar disso, sentimos que há
ainda um grande caminho a ser percorrido no ensino dessas temáticas.
Em
muitos casos, o professor, que já não teve acesso a esses conteúdos em sua
formação acadêmica, tem dificuldades de abordar o tema em sala de aula, por
encará-los como “mais” um conteúdo dentro dos diversos outros que devem ser
ensinados e avaliados, seja por não saber como introduzir o tema dentro do já
enorme plano curricular voltado para a aprovação nos vestibulares.
Este material didático foi pensando, então, para auxiliar o
professor a trilhar o percurso coletivo e dialogado de ensino e aprendizagem da
História e Cultura Indígena. Para tanto, lançamos mão de um breve questionário
em que avaliaremos os conhecimentos prévios.
Questões problematizadoras
Questões problematizadoras
Responda
brevemente as questões iniciais propostas utilizando seus conhecimentos prévios
(adquiridos pela televisão, revistas, jornais, ou aulas, discussões anteriores,
entre outros) a respeito dos grupos indígenas existentes no Brasil.
Qual
o seu conhecimento a respeito da diversidade indígena no Brasil? Quantos grupos
indígenas você acha que existem atualmente vivendo dentro do território
brasileiro? Quantos troncos linguísticos diversos existem dentro do Brasil?
Indígenas possuem culturas parecidas, ou existem as mais diferentes culturas
entre esses diversos grupos? Um indígena que usa roupas e frequenta
universidade, ou mora em cidades, é mais ou menos indígena por isso? O indígena
brasileiro faz parte do nosso passado? Como ele se insere na sociedade hoje?
O
estereótipo do indígena como um indivíduo pertencente ao passado, que não se
faz presente dentro do contexto da sociedade atual, é algo ainda bastante
ativo, que vem sendo perpetuado há décadas. O senso comum costuma isola- los,
toma- los por figuras anacronicamente construídas, mantendo no imaginário
coletivo a percepção do “legítimo indígena” enquanto um ser humano fora do
tempo e do espaço, que vive ainda numa estrutura social anterior a chegada dos
europeus nas Américas e intocado por todas as revoluções tecnológicas.
Não há como fazer com que as comunidades
indígenas continuem existindo sem o contato e a interação social com a
sociedade. A população brasileira é composta por indígenas. Eles não estão
isolados. De acordo com o Censo de 2010 do IBGE, mais de 324 mil indígenas
viviam em áreas urbanas e ao se ter ideia da grande quantidade desses
indivíduos inseridos dentro do espaço urbano das nossas cidades, não é difícil
agora imaginá-los como naturais componentes da nossa população e do território
nacional.
(1) Edvaldo de Jesus Santos Pataxó, índio da etnia Pataxó Hã Hã Hãe, formado em medicina na Escola Latinoamericana de Medicina em Cuba. Foi diretor do Distrito Sanitário Especial Indígena de Salvador.
(2)
Mário Juruna. Primeiro deputado federal indígena do país. Viiveu até os 17 anos
isolado do mundo exterior. Foi eleito cacique da aldeia de Namunjá, em Barra do
Garça, Mato Grosso do Sul
(3) Professor indígena dando aula em uma escola
construída em uma aldeia.
Fazem
parte do senso comum algumas afirmações que fogem da real situação vivida pelos
diversos grupos indígenas que habitam o território brasileiro. Todos já ouviram
frases como “índio é tudo igual”, ou “índio de roupa e celular não é índio”.
Vemos no cotidiano esse tipo de pensamento, porém as pessoas que reproduzem
essas ideias pouco conhecem a realidade dos indígenas brasileiros, e ignoram a
imensa diversidade cultural existente nos mais de 200 diferentes povos
indígenas que vivem hoje no Brasil.
Segundo
a Funai (Fundação Nacional do Índio) existem 220 grupos indígenas no Brasil,
sendo que 80 ainda não foram contatados e não existem informações mais
objetivas sobre eles. Dos grupos que estão em contato com o Estado brasileiro,
existem pelo menos 180 línguas diferentes, que estão conectadas por 30 famílias
linguísticas. Outras fontes falam ainda em 45 diferentes troncos linguísticos,
como pode ser visto no mapa abaixo.
Proposta de atividade em grupo.
Leia o texto abaixo, e ao
correlacionarem- no com o mapa acima, respondam às questões em seguida debatendo-as
e entreguem na forma de um texto discursivo.
O
mapa nos mostra, além da enorme diversidade linguística indígena dentro do
território brasileiro, algumas outras informações interessantes. A primeira
delas é a influência de troncos linguísticos ligados à língua quechua, língua
dos incaíca que é falada até hoje em boa parte do território peruano, em
regiões mais próximas aos Andes, como no Acre e em Rondônia.
É
também notório que a presença indígena no território brasileiro se dá, na sua
maior parte, no interior do país. Esse fato é explicado por um processo
histórico de empurrada dos povos indígenas para o interior, que aconteceu de
maneira concomitante com a colonização portuguesa no litoral brasileiro,
ocasionando a extinção de alguns grupos nativos e a assimilação de aspectos
culturais europeus nas culturas indígenas.
Essa assimilação de características
culturais europeias e africanas feitas pelos grupos indígenas, não pode ser
vista como uma descaracterização da cultura indígena. Sabemos que todas as
culturas estão em constante processo de modificação, e as diversas culturas
indígenas existentes na América estavam em constante troca de informações –
como vimos acima com as influências da língua incaica – e se modificando o
tempo todo. As culturas indígenas se modificariam com o tempo, independente da
presença europeia no continente.
Assim
também ocorre com a nossa cultura, com a cultura europeia, pois as culturas são
plásticas, desta maneira crer que a cultura indígena deveria ter se mantido
estática configura um verdadeiro impropério. Não existiram portugueses e a
cultura portuguesa desde sempre. O que conhecemos hoje por portugueses foi um
longo processo de miscigenação de diferentes culturas, que tem origem em alguns
grupos bárbaros, possuindo até uma boa parcela de cultura celta, e essa cultura
portuguesa está em constante mudança até os dias atuais.
É importante notar que o movimento
contrário também ocorreu, a cultura europeia absorveu alguns elementos das
culturas indígenas americanas. Os casos mais notáveis são o da batata (que
saciou crises de fome na Europa e virou prato típico em países como a Bélgica e
a Inglaterra) e do cacau (que hoje é consumido em enormes quantidades em toda a
Europa na forma de chocolate). Ao longo do tempo, os próprios europeus que
moravam nas Américas passaram a incorporar alguns hábitos dos índios, como
tomar banho com mais frequência, por exemplo.
Dessa
forma, devemos observar com naturalidade as mudanças e as assimilações das
culturas indígenas com outras culturas. Um indígena pode, perfeitamente, morar
em uma cidade, estudar em escolas e ter um emprego, assim como possuir
equipamentos tecnológicos, sem deixar de ser indígena, ou ser menos ou mais
indígena. Existem alguns “novos grupos indígenas” no Brasil, que surgiram a
partir da fusão de aspectos culturais vindos de diversas culturas indígenas e
não-indígenas, e não podemos menosprezar suas características.
Após
olhar mais de perto a realidade cultural dos povos indígenas brasileiros, é
inconcebível aceitar a ideia de considerar os indígenas como um bloco homogêneo.
Se compararmos esses grupos, eles possuem línguas diversas, rituais, artes e
vestimentas diferentes, até mesmo suas religiões e crenças diferem de grupo
para grupo. Devemos ter em mente que a ideia de a cultura, seja ela qual for,
está sempre em mudança.
Questões propostas:
1-
Tendo
por base o texto anterior e o mapa, explique, utilizando exemplos sempre que
possível, a ideia de constante mudança que envolve a consolidação de uma
cultura.
2-
Aponte as diferenças da opinião do senso comum
a respeito dos indígenas brasileiros com os argumentos apresentados pelo texto.
3-
Após
a leitura do texto, o que você modificaria nas respostas das perguntas
propostas no início desse material?
4-
Utilizando
o mapa, demonstre como esse recurso pode nos ajudar a entender a localização
geográfica atual dos territórios indígenas e aponte alguns problemas que a
“empurrada” dos grupos indígenas para o interior pode ter influenciado em suas
culturas e nas questões pela briga de terra.
Desafios
Direito à terra
Leia
o trecho abaixo, sobre o que a terra significa para os indígenas.
“Para
os povos indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência.
Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de
crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural - e tão importante
quanto este - é um recurso sócio- cultural” (Funai apud RAMOS, Alcida Rita -
Sociedades Indígenas).
A
nação indígena enfrenta muitos desafios, sendo um deles a proteção de seu
direito à terra. Lendo o trecho acima, aprendemos que a terra para eles também
é um recurso representativo de fatores culturais e sociais. Mas você sabe de
que forma o direito à terra é garantido? Em sua opinião, você acha que ele é
realmente garantido? Leia o capítulo da nossa Constituição dedicado aos índios
e a notícia do Jornal Folha de São Paulo, e analise a questão da terra.
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
CAPÍTULO
VIII
DOS ÍNDIOS
Art. 231.
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens.
§ 1º - São
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as
necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições.
§ 2º - As
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O
aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a
pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser
efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na
forma da lei.
§ 4º - As
terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos
sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É
vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do
Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua
população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso
Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o
risco.
§ 6º - São
nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,
ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que
dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não
se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232.
Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar
em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público em todos os atos do processo.
04/06/2013
- 13h47
Índios
desocupam canteiro de Belo Monte após nove dias
KÁTIA
BRASIL
DE MANAUS
Os índios
da etnia mundurucu desocuparam na manhã desta terça-feira (4) o canteiro da
usina hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu, no sudeste do Pará, após
nove dias de invasão.
No início
desta tarde, os índios estão sendo transportados para Brasília, onde terão uma
reunião com ministros do governo de Dilma Rousseff, às 14h. A Secretaria-Geral
da Presidência da República disse, em nota, que a reunião faz parte de um
acordo que levou à desobstrução pacífica do canteiro de obras de Belo Monte. Os
índios ocupavam o local desde o dia 27 de maio.
Cândido
Munduruku, um dos líderes do protesto, disse que o grupo de 187 índios (dos
quais 32 são mulheres e 27 crianças) embarcou em dois aviões da FAB (Força
Aérea Brasileira). O governo não confirmou o número de pessoas.
Os índios
reivindicam a suspensão de obras e estudos de barragens de hidrelétricas em
terras indígenas situadas nas margens dos rios Teles Pires e Tapajós e cobram
do governo a garantia de serem consultados previamente sobre o tema.
O cacique
da tribo mundurucu, Jairo Saw, disse que o objetivo da reunião não é negociar
com o governo. "Vamos apresentar nossa posição sobre construir
hidrelétricas em nossos territórios e exigir que o governo respeite a
Constituição e os tratados internacionais que ele assinou e que garantem nosso
direito de sermos consultados", afirmou.
A
Secretaria-Geral da Presidência informou que será discutida a pauta de 33
reivindicações apresentadas em janeiro pela Assembleia Indígena Munduruku.
"A expectativa é que a reunião seja o início de um processo de diálogo e
entendimento que assegure aos indígenas seus direitos legais e o acesso a
políticas públicas voltadas à sua autonomia e sustentabilidade", disse o
governo, em nota.
Índios
durante ocupação do principal canteiro da construção da usina de Belo Monte,
no Pará.
|
Atividade online!Utilize os comentários do blog para trocar ideias e experiências sobre a realidade dos diferentes grupos indígenas no Brasil. Quais são suas opiniões a respeito do lugar do indígena na sociedade brasileira? O que temos que fazer para melhorar essa situação? A troca de opiniões é fundamental para a construção do conhecimento desse material didático e para a valorização dos debates a respeito da diversidade cultural indígena na nossa sociedade.
Para saber
mais
Aqui
disponibilizamos links de sites que podem ser úteis para
aprofundar os temas que vimos e pesquisar mais sobre a história e as culturas
indígenas.
http://www.museudoindio.org.br
Bibliografia
BRASIL.
Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 nov. 2013.
BRASIL,
Kátia. Folha de S. Paulo [online],
São Paulo, 4 jun. 2013. Índios desocupam canteiro de Belo Monte após nove dias.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/06/1289545-indios-desocupam-canteiro-de-belo-monte-apos-nove-dias.shtml. Acesso em: 22 nov. 2013.
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 23
nov. 2013.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008,
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 2008. Disponível
em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 23
nov. 2013.
FUNAI. As
terras indígenas - O que é Terra Indígena? Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.html. Acesso em: 22 nov. 2013.
Fontes das
imagens: